terça-feira, 25 de agosto de 2009

Dança


Nossa, faz um mês!

Dançar, sugeri...

Dancei por outros caminhos,

Dançaste em outros também...

Mas, numa volta, num passo

Num rodopio de sonho,

Caí em teus braços, meu bem!

Dançamos por vales e montes,

Nas águas de Uba,

nas curvas da Rio-Santos,

na chuva, na penumbra,

Nos suspiros da lua entre montes,

Em barcos a navegar,

por entre lágrimas de estrelas

dancei, dancei...

De repente, há a real:

A poesia foi nossa música!


Eloisa Helena...20/1/2009

segunda-feira, 24 de agosto de 2009

Traduzir-se



Ferreira Gullar

Uma parte de mim
é todo mundo:
outra parte é ninguém:
fundo sem fundo.

Uma parte de mim
é multidão:
outra parte estranheza
e solidão.



Uma parte de mim
pesa, pondera:
outra parte
delira.


Uma parte de mim
almoça e janta:
outra parte
se espanta.


Uma parte de mim
é permanente:
outra parte
se sabe de repente.


Uma parte de mim
é só vertigem:
outra parte,
linguagem.


Traduzir uma parte
na outra parte
— que é uma questão
de vida ou morte _
será arte?



De Na Vertigem do Dia (1975-1980)

sexta-feira, 21 de agosto de 2009

Um galo apaixonado, de Ilnea

Sob o céu, tão estrelado,
que faz inveja ao luar,
um galo, apaixonado,
namora ao invés de sonhar.

terça-feira, 18 de agosto de 2009

PELA LINHA FÉRREA ABANDONADA...

















Quem não gostaria de reter o tempo, de reter com toda vontade os instantes mais bonitos? Já pensou, ter uma máquina de ir e voltar à vontade, rodar a vida como uma máquina de cinema?! Não posso ver Cinema Paradiso sem ser dominada pela emoção. Suas teias me transportam a uma menininha sentada na platéia, sonhando com alegrias, festas, bailes, liberdade. Já sei, você também se encanta, se é amante da sétima arte. Não é só isso, o filme foi feito para os que amam a vida com suas possibilidades: o ir e o ficar, o recolher-se ou o atirar-se na longa corrida para o futuro, no que se deixa e no que se leva. Corrida faz pensar em viagens, em trens...
Eu viajo no pc, depois de receber um e-mail :Para quem gosta do Douro: Linha Pocinho-Barca d’Alva. Transporto-me a um Portugal tão querido. Imagens banhadas de sol mostram um caminho ferroviário, muitas vezes paralelo ao rio Douro. Quando era pequena, não podia entender por que casas velhas podem ter beleza, mas já as amava. Nas imagens do e-mail diversas estações se sucedem com sua resistência, ainda com suas memórias: Coa, Castelo Melhor (será que era?)uma lágrima, Alemandra, Barca d’Alva; cancelas, marcas de quilometragem com placas de ferro já carcomidas: 84,189,195, 197, todas fazem sombra ainda. Ainda há os dormentes, invadidos pelo mato com seu desejo de vida, postes de braços abertos, galhos secos de árvores caem e por lá ficam, até que a chuva e o sol os destruam finalmente; um túnel agora sem sentido aparece, às vezes há belas pontes sobre trechos do rio que passa indiferente ao homem e a seu tempo. Alguém deixou as marcas do seu momento, em paredes escuras de uma casa destelhada:Em 13-11-84 às 14:35h... E o rio ri! Tudo passa... Lemos a placa: Atenção aos comboios: PARE–ESCUTE-OLHE . E isto, precisamos sempre fazer.
E o trem prossegue em nossa imaginação. Se o mato invade, os galhos caem, quem se importa?
Só não consigo deixar de ver, por trás dessas imagens, rostos felizes e esperançosos, banhados pelo sol português. Muitos suspiros ainda se ouvem, se você escutar bem, no meio dessas pedras da via férrea. Entrem nas casas abandonadas, lá ainda estarão pessoas de mala na mão, ou sentadas, sentindo o cheiro que vem no vento sobre o rio Douro. Minha tataravó, talvez recém-casada, pensa em ir ao Brasil, buscar um futuro melhor, e nem sonha que uma rapariga nela estará a pensar, diante da tela de um pc, e sofrerá pela via férrea abandonada.
Também há beleza no que foi.

domingo, 16 de agosto de 2009

Tecendo a Manhã




Tecendo a Manhã
João Cabral de Melo Neto
"Um galo sozinho não tece a manhã:


ele precisará sempre de outros galos.
De um que apanhe esse grito que ele


e o lance a outro: de um outro galo


que apanhe o grito que um galo antes


e o lance a outro; e de outros galos


que com muitos outros galos se cruzem


os fios de sol de seus gritos de galo,


para que a manhã, desde uma teia tênue,


se vá tecendo, entre todos os galos.



E se encorpando em tela, entre todos,


se erguendo tenda, onde entrem todos,


se entretendo para todos no toldo


(a manhã) que plana livre de armação.
A manhã, toldo de um tecido tão aéreo


que, tecido, se eleva por si: luz balão".