Aqui estarão registrados textos poéticos, ou não, selecionados por mim e pela simpatia, carinho de amigos. Alguns serão um atrevimento meu, tambores a ressoar neste espaço. E, se quiserem acusar alguém , acusem-me, por favor!
segunda-feira, 27 de setembro de 2010
segunda-feira, 20 de setembro de 2010
quarta-feira, 15 de setembro de 2010
O constante diálogo, Carlos Drummond de Andrade
Há tantos diálogos
Diálogo com o ser amado
o semelhante
o diferente
o indiferente
o oposto
o adversário
o surdo-mudo
o possesso
o irracional
o vegetal
o mineral
o inominado
Diálogo consigo mesmo
com a noite
os astros
os mortos
as idéias
o sonho
o passado
o mais que futuro
Escolhe teu diálogo
e
tua melhor palavra
ou
teu melhor silêncio
Mesmo no silêncio e com o silêncio
dialogamos.
sábado, 11 de setembro de 2010
sábado, 4 de setembro de 2010
Minha Casta Dulcinéia, Fernando Sabino
Minha Casta Dulcinéia
Estou numa esquina de Copacabana, são duas horas da madrugada. Espero uma condução que me leve para casa. À porta de um “dancing”, homens conversam, mulheres entram e saem, o porteiro espia sonolento. Outras se esgueiram pela calçada, fazendo a chamada vida fácil.
De súbito a paisagem se perturba. Corre um frêmito no ar, há pânico no rosto das mulheres que fogem. Que aconteceu? De um momento para outro, não se vê mais uma saia pelas ruas - e mesmo os homens se recolheram discretamente à sombra dos edifícios.
_ Que aconteceu? pergunto a alguém que passa apressado.
É a radiopatrulha: vejo o carro negro surgir da esquina como um deus blindado e vir rodando devagar, enquanto os olhos terríveis da Polícia espreitam aqui e ali. Não se sabe como, sua aparição foi antecedida de um aviso que veio rolando pelas ruas trazido pelo vento, espalhando o medo e possibilitando a fuga.
Eis, porém, que surgem da esquina duas mulheres, desavisadas e tranqüilas. Uma é mulata e alta, outra é baixa e tão preta, que só o vestido se destaca dentro da noite - ambas pobres e feias. Vêem o inimigo, perdem a cabeça e saem em disparada, cada uma para o seu lado. O carro da polícia acelera, ao encalço da mulata: em dois minutos ela é alcançada...
A outra, trêmula de medo, se encolhe a meu lado como um animal, tentando ocultar-se. O carro faz a volta e vem se aproximando.
_ Pelo amor de Deus, moço, diga que está comigo.
Já não há tempo de fugir. A pretinha me olha assustada, pedindo licença para tomar-me o braço, e, assim, protegida, enfrenta o olhar dos policiais. Tomado de surpresa, fico imóvel, e somos como um feliz, ainda que insólito casal de namorados. Compenetro-me, forças secretas dentro de mim endireitam-me o corpo para enfrentar a situação. Ouço a voz de Quixote sussurrar-me que agora, ou vou preso com ela, ou ninguém vai, na verdade, neste instante de heroísmo, unido a um ser humano pelo braço, sinto-me capaz de enfrentar até o Juízo Final, quanto mais a Delegacia de Costumes.
Passado o perigo, a preta retira humildemente o braço do meu, faz um trejeito, agradecendo, e desaparece na escuridão. Eu é que agradeço, minha senhora - é o que pensa aqui o fidalgo. Tomo alegremente o meu lotação e vou para casa com a alma leve, pensando na existência daquelas coisas, como diria o poeta, pelas quais os homens morrem.
Fernando Sabino
Adoro Dom Quixote e Fernando Sabino! São muito humanos.
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