sexta-feira, 16 de março de 2012

Lembrei de Cora Coralina

Cora, doce Coralina

Todas as Vidas

Vive dentro de mim
uma cabocla velha
de mau-olhado,
acocorada ao pé do borralho,
olhando para o fogo.
Benze quebranto.
Bota feitiço…
Ogum. Orixá.
Macumba, terreiro.
Ogã, pai-de-santo…

Vive dentro de mim
a lavadeira do Rio Vermelho.
Seu cheiro gostoso
d’água e sabão.
Rodilha de pano.
Trouxa de roupa,
pedra de anil.
Sua coroa verde de são-caetano.

Vive dentro de mim
a mulher cozinheira.
Pimenta e cebola,
quitute bem feito.
Panela de barro,
taipa de lenha,
cozinha antiga,
toda pretinha,
bem cacheada de picumã.
Pedra pontuda.
Cumbuco de coco.
Pisando alho-sal.

Vive dentro de mim
a mulher do povo.
Bem proletária,
bem linguaruda,
desabusada, sem preconceitos,
de casca grossa,
de chinelinha,
e filharada.

Vive dentro de mim
a mulher roceira.
-Enxerto da terra,
meio casmurra,
trabalhadeira.
Madrugadeira,
analfabeta.,
de pé no chão.
Bem parideira,
bem criadeira,
seus doze filhos,
seus vinte netos.

Vive dentro de mim
a mulher da vida.
Minha irmãzinha…
Tão desprezada,
tão murmurada…
Fingindo alegre seu triste fado.

Todas as vidas dentro de mim:
na minha vida –
a vida mera das obscuras

Um comentário:

  1. Quanto Cora carregava na mente e no coração? ninguém pode imaginar. A gente só pode imaginar o quanto perdemos sem a valente senhora.

    Boa páscoa para você, abraço.

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