terça-feira, 8 de fevereiro de 2011

A TRANQUILIDADE DAS OVELHAS- Rubem Alves











A noite estava escura, céu sem estrelas.

De vez em quando ouvia-se o uivo de um lobo bem longe, misturado com o barulho do vento.





As crianças reunidas na tenda do Mestre Benjamin estavam com medo.

Mestre Benjamim sentiu o medo nos seus olhos.

Foi então que uma delas perguntou:

- Mestre Benjamim, há um jeito de não ter medo? Medo é tão ruim!





Mestre Benjamim respondeu:

Há sim... E ficou quieto.


Veio então a outra pergunta:

-E qual é esse jeito?



-É muito fácil. É só pensar como as ovelhas pensam...

-Mas como é que vou saber o que as ovelhas estão pensando?





Mestre Benjamim respondeu:

-Quando durante a noite, as ovelhas estão deitadas na pastagem, os lobos estão à espreita. E eles uivam. As ovelhas têm medo.





Mas aí, misturado ao uivo dos lobos, elas ouvem a música mansa de uma flauta. É o pastor que cuida delas e não dorme nunca. Ouvindo a música da flauta elas pensam:





Há um pastor que me protege.


Ele me leva aos lugares de grama verde


E sabe onde estão as fontes de águas límpidas.


Uma brisa fresca refresca a minha alma.





Durante o dia ele me pega no colo e me conduz por trilhas amenas.



Mesmo quando tenho de passar pelo vale escuro da morte eu não tenho medo.



A sua mão e o seu cajado me tranqüilizam.





Enquanto os lobos uivam, ele me dá o que comer.



Passa óleo perfumado na minha cabeça para curar minhas feridas.



E me dá água fresca para sarar o meu cansaço.





Com ele não terei medo, eternamente...






Mestre Benjamim parou de falar.

Os olhos de todas as crianças estavam nele.

Foi então que uma delas levantou a mão e perguntou:


-E os lobos? Eles vão embora? Eles morrem?





-Os lobos continuam a uivar. E continuam a ser perigosos. O pastor não consegue espantar todos eles. E por vezes eles atacam e matam.





Mas as ovelhas, ouvindo a música da flauta do pastor dormem sem medo, não porque não haja mais perigo, mas a despeito do perigo. Não há jeito de acabar com o perigo. Mas há um jeito de acabar com o medo.





Coragem é isso: dormir sem medo a despeito do perigo...

As crianças voltaram para suas tendas e dormiram sem medo, pensando nos pensamentos das ovelhas.





De vez em quando, lá fora, ouvia-se o uivo de um lobo faminto.


Desde então, tornou-se costume contar ovelhinhas para dormir.





Do livro de Rubem Alves: “Perguntaram-me se acredito em Deus”.
Editora

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